sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O palhaço e o mendigo


O palhaço e o mendigo

O palhaço entrou na igreja gritando, para estarrecimento geral de quem estava naquela missa. Gritava, cantava, pulava, abraçava as pessoas e beijava outros no rosto. Ninguém entendia o que estava acontecendo. O palhaço continuava gritando, pedindo a atenção de todos.  É lógico que uma cena destas numa missa de páscoa na hora destinada a homilia,  gerava um certo desconforto. Que palhaçada era aquela, quem teve esta idéia de colocar um palhaço fazendo duas estripulias numa celebração de páscoa?
            Mas ele não se intimidou e correu  faceiro (como diz o gaúcho) em direção ao altar.
            - Boa noite pessoal – e como não ouviu um boa noite forte, e cheio de vontade, o palhaço insistiu – B.O.A  N.O.I.T.E  P.E.S.S.O.A.L.!!!!!
            E aí sim a resposta foi um sonoro “BOA NOITE”,  dos fiéis que lotavam a igreja naquele dia.
             - Vim aqui desejar uma feliz páscoa para todos e perguntar, se vocês sabem que Jesus ressuscitou e está aqui, nesta Igreja, bem pertinho de cada um de nós? Vocês sabiam disso?
            O silêncio tomou conta do local. As pessoas não sabiam ao certo o que dizer e por isso silenciaram.
             - Muitas vezes estamos tão preocupados em rezar, louvar a Deus, em chegar logo na missa, que esquecemos de observar o mundo ao nosso redor. Procuramos Jesus longe e não nos damos conta de onde ele verdadeiramente possa estar. Por isso, vim aqui, para lhes trazer Jesus. Vocês não o viram?
            O silêncio foi ainda maior. Criou-se um clima de expectatival. O que aquele palhaço estava querendo dizer ou mostrar?
            Ele não falou mais nada e saiu correndo pelo corredor central da Igreja até a porta de entrada. Abriu. Era escuro, pois a missa acontecia às 18h30min, e já era por volta das sete da noite. Quando a porta abriu, lá estava Jesus, vestido de mendigo, maltrapilho e sujo. O palhaço deu um abraço nele, pegou-o pelo braço e foi lentamente em direção ao altar enquanto o coral, formado por jovens do grupo da época, iniciou um canto que dizia assim:

Seu nome é Jesus Cristo e passa fome, e clama pela boca dos famintos, e a gente quando vê passa adiante, às vezes para chegar depressa a Igreja. Entre nós está, e não o conhecemos, entre nós está e nós o desprezamos. Entre nós está, e não o conhecemos, entre nós está, e nós o desprezamos.”

             Foi um dos momentos mais emocionantes que eu vivi na minha vida de Igreja. Um jovem, vestido de palhaço e outro, de Jesus Cristo, caminhando lentamente pelo corredor de uma paróquia  de centro, formada basicamente por pessoas de classe média e alta. O silêncio  que tomou conta da igreja era algo que eu nunca tinha visto igual. Nem a respiração das pessoas a gente ouvia. Na medida em que o palhaço e o mendigo se aproximavam do altar, as pessoas iam reconhecendo o Jesus Cristo que ali estava sendo apresentado.
            -Reconhecem Ele, o Jesus ,que hoje ressuscitou e está entre nós? Perguntou o palhaço, de microfone em punho.
            Ninguém respondeu e o silêncio permaneceu. Nem um ruído sequer!
            E o palhaço voltou a perguntar, agora num tom mais severo:
            -Reconhecem este homem, que deu sua vida por nós e que estava ali na porta da Igreja, como um mendigo e maltrapilho, esperando a atenção de cada um de vocês? E que vocês fizeram quando entraram? Não o viram ali?
            Enquanto isso, a turma do Grupo de Jovens voltou a cantar:

            -“Entre nós está e não o conhecemos, entre nós está e nós o desprezamos.
               Entre nós está, e não o conhecemos, entre nós está e nós o desprezamos”.

            O palhaço desceu as escadarias lentamente de mãos dadas com Jesus, e saiu  em direção a porta pelo corredor central. E aí, o que era um imenso silêncio virou uma choradeira só.
            Quando eu, no auge do meu fervilhar de idéias da adolescência, pensei esta encenação, imaginei fazer a diferença, tocando corações, mas principalmente, dando um tapa de luvas em muita gente fazendo-os refletir sobre suas posturas em datas especiais como esta.  Por isso idealizei um mendigo, ali, deitado, na porta da Igreja, uma hora antes da missa. Convidei um jovem do grupo para esta missão. Ele aceitou e por volta das 17h30min, quando a Igreja estava aberta (a missa era às 18h30min), se deitou ali, em cima de panos rasgados e sujos. Ficou parecendo que estava dormindo.
            Na minha imaginação aconteceria o que realmente aconteceu, ou seja, as pessoas passariam pelo mendigo na porta da Igreja e não fariam nada, absolutamente nada, nem uma esmola, nem uma abordagem e muito menos teriam a preocupação de saber como estaria aquele indivíduo.
Mas e o palhaço, o que tem a ver com isso?
O palhaço representa a pureza, a sinceridade, a alegria, a coragem de enfrentar e empolgar uma platéia, a vontade de fazer bem aos outros e de levar sorrisos a quem está triste. Um palhaço não significa tudo isso?  
            O palhaço era o diferente naquela encenação. Tinha que causar impacto. Um palhaço numa igreja, brincando e gritando, trazendo um mendigo pelas mãos, causaria um enorme frisson. Foi isso que imaginei. Queria impacto mesmo, reflexão, arrependimento e até um sentimento de vergonha.  Eram quase 500 pessoas naquela missa e nenhuma se dignou a fazer alguma coisa pelo mendigo, que estava ali na porta, por  onde passaram para ir numa missa especial de páscoa.
            Foi demais. Objetivo alcançado. O povo não tinha reconhecido Jesus. Depois chorou de emoção, mas tinha também, um pouco de vergonha naquelas lágrimas por não o terem reconhecido.  
Jesus anda tão perto da gente em coisas simples do dia-a-dia em coisas que as vezes, por pressa, nem observamos.
            Precisamos um pouco mais do espírito do palhaço, da coragem de querer alegrar e mudar sentimentos de tristeza e desânimo, trocando-os por sentimentos de alegria e encorajamento.
Esta é minha missão como catequista, é a sua como evangelizador.
Seja um palhaço e tenha a coragem de mostrar Jesus para as pessoas, mesmo que na pressa elas o rejeitem e insistem em não vê-lo.


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